No meio do caos que tomou conta de Porto Alegre devido às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, moradores têm fugido às pressas na direção ao litoral em busca de água. O desabastecimento já atinge parte da capital gaúcha, que também sofre com falta de energia e de suprimentos, além da ameaça de saques.
Segundo dados da Defesa Civil divulgados na noite desta terça (7), 401 dos 497 municípios do estado —o equivalente a 80% das cidades gaúchas— já foram afetados de alguma forma pelas chuvas.
Destas, 336 cidades estão em calamidade pública, sendo que 83% da população do estado (de 10,8 milhões de pessoas) vive nesses municípios.
Ao todo, já são 95 mortes, 48 mil desabrigadas (que são notificadas de abrigo do poder público) e 1,4 milhão de pessoas prejudicadas.
As enchentes também prejudicaram a distribuição de energia, com 450 mil imóveis no escuro no estado. Na capital, uma das bombas que funciona para escoar a água das ruas chegou a parar por algumas horas nesta terça por falta de luz.
O Ministério das Minas e Energia disse que 20 mil famílias tiveram o abastecimento restaurado desde o dia anterior e que coordena um plano estrutural para o reestabelecimento da distribuição de energia e instalação do parque elétrico do Rio Grande do Sul.
Milhares de pessoas tiveram que deixar suas casas nos últimos dias na cidade devido ao risco de alagamento, e atualmente 85% dos 1,3 milhão de habitantes estão sem acesso à água por causa da paralisação de cinco estações de tratamento que atendem o município.
“Pareça um cenário de guerra. Não existe mais água na cidade. Hoje, fiquei três horas na fila do mercado e, quando chegou a minha vez, não consegui água porque tinha acabado”, afirma Mell Morales, estudante de administração na UFRGS, atua como voluntário na capital.
“A gente começou a pensar se vale mais a pena comprar água de coco ou chá gelado. O medo é ficar sem se hidratar. A gente também compra alimentos processados, porque não dá para cozinhar arroz, feijão ou batata se não tiver água e energia elétrica”, diz ela.
A situação ainda pode piorar nos próximos dias, já que a previsão é de volta das chuvas nesta quarta em partes do Rio Grande do Sul.
Foi essa situação caótica em Porto Alegre que fez a professora Ercilda Dimer, 56 e o marido deixarem a cidade na segunda (6) em direção a Torres, no litoral. O casal alugou de última hora um apartamento por temporada, pediu um Uber e gastou seis horas, junto com os dois gatos, num trajeto que costuma ser feito em menos de duas.
“Saí só com a roupa do corpo”, explicou ela, que nesta terça (7) estava na igreja Santa Luzia, no centro de Torres, em busca de algumas peças de vestuário.
Foi mais uma parada de um périplo iniciada na semana passada, quando as águas invadiram o prédio onde vive, no bairro de São Geraldo, zona norte da capital. Resgatados por um caminhão da companhia de luz Equatorial, rumaram para a casa da sogra dela, na Cidade Baixa. Também alagou –desta vez quem os salvou foram os bombeiros.
Partiram para a casa de outro parente, no bairro alto de Petrópolis, e de lá traçaram o plano de fuga. Não tenho coragem de fazer mala.
Nesta terça, em Torres, encontrei um calor de quase 30°C. Uma das entradas da cidade tinha engarrafamento de carros.
Situações do tipo se avolumam nos litorais do estado e da vizinha Santa Catarina. A saída por terra tem sido a única opção para quem quer sair da região, já que o aeroporto de Porto Alegre segue fechado e sem previsão de reabertura.
A família da designer Vitória Colatto da Silva, 27 anos, cumpriu um roteiro semelhante ao de Ercilda, com o atenuante de que têm um apartamento próprio em Torres. Facilitou também o fato de a casa dela (em Santana) e dos pais (em Mont’Serrat) não ter alagado.
Mas a firma do pai dela, no bairro Anchieta, pode estar debaixo d’água –eles não sabem. “Seguimos a orientação do prefeito”, diz Vitória, em referência ao apelo de Sebastião Melo (MDB) para que quem possa se mudar temporariamente para o litoral.
A loteação em Torres é semelhante aos feriados e meses do verão, segundo a prefeitura. A gestão municipal diz que está seguindo as orientações da Defesa Civil do Rio Grande do Sul e juntando doadores (colchões, fraldas infantis e geriátricas, materiais de limpeza e de higiene pessoal, lanternas e botes) para encaminhar para Porto Alegre.
Porém, a cidade já se prepara para receber as pessoas que chegam sem ter onde ficar, caso a Defesa Civil solicite. A escola municipal Alcino Pedro Rodrigues está sendo adaptada para isso.
Situação semelhante acontece na vizinha Capão da Canoa, a 143 quilômetros de Porto Alegre. A secretária de Cidadania, Trabalho e Ação Comunitária do município, Renata Costa Klein, afirmou em vídeo postado nas redes sociais que a cidade também tem recebidos moradores de outros locais estão se deslocando para as casas de amigos e familiares —até o momento, não houve pedido de acolhimento da Defesa Civil do Rio Grande do Sul.
Em todo o estado, 159 mil pessoas são consideradas desalojadas, ou seja, tiveram que deixar o local onde moram de maneira provisória ou em definitivo e estão em casas de familiares ou amigos.
Para dar suporte a essas pessoas, segundo a secretária, a gestão municipal está organizando kits com roupas e cestas básicas para entregar diretamente nas residências.
Seguindo para a casa da irmã, que é professora em Capão da Canoa, a jornalista Laísa Mendes, 30 anos, deixou o bairro Petrópolis, um dos mais altos da capital gaúcha. Mesmo distante das enchentes, a região não escapou de ser afetada pelo desabastecimento.
“Mesmo com falta de água, eu pretendia ficar em Porto Alegre para ajudar como voluntária, mas os estabelecimentos perto da minha casa já não tinham água nem outros mantimentos para vender há um tempo”, contou. “Quando meu amigo ofereceu carona, não pensei duas vezes em pegar minhas gatas e ir para a casa da minha irmã em Capão Novo.”
De férias do trabalho, Laísa diz que planeja ficar na praia por pelo menos duas semanas. “Assim consigo ficar próximo da minha mãe e irmã e também não serei mais uma pessoa consumindo os poucos recursos que ainda existem em Porto Alegre.”